Revista
Piauí - Edição 93 - Junho de 2014
O PÚBLICO E
O PRIVADO
O
dilema que acompanha Aécio Neves, o presidenciável tucano
por MALU DELGADO
Vamos fazer um negócio curtinho lá, senão ninguém aguenta. Pá,
pum! E aí entra a música.” Aécio Neves da Cunha batia a lateral da mão direita
na palma esquerda, ritmadamente. Orientava os discursos que seriam feitos dali
a algumas horas no lançamento da pré-candidatura de Pimenta da Veiga ao governo
de Minas Gerais. Dentro do jatinho que ia de Brasília a Belo Horizonte naquela
manhã de fevereiro, cinco coadjuvantes da festa ouviam o senador com atenção.
Além do presidente do psdbpaulista, Duarte Nogueira, e do líder do partido na
Câmara, Antonio Imbassahy, estavam no voo os presidentes da seção mineira do
PSB, do PDT e do PT do B. A fauna política era uma pequena amostra do modo de
operar de Aécio. Se tudo correr conforme o planejado, Pimenta da Veiga terá mais
de 20 legendas apoiando sua candidatura.
De janeiro
a maio, o senador mineiro fez quarenta viagens de avião custeadas pelo partido
– dezesseis delas para São Paulo. As agendas eleitorais disfarçadas de
compromissos partidários geralmente se iniciam às quintas-feiras, quando o
Congresso se esvazia. Na aritmética dos tucanos, se chegar à frente de Dilma
Rousseff no estado de Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin e José Serra,
Aécio dificilmente fica fora do segundo turno da eleição presidencial. Ele
considera que em Minas, segundo colégio eleitoral do país, deve ter ampla
vantagem sobre a petista.
Sentado sempre de frente para a cabine de comando – hábito do
qual não abdica –, Aécio fez o sinal da cruz assim que o avião decolou.
Perguntei se tinha medo de voar. Deu de ombros e respondeu que certas coisas
são inevitáveis, “então melhor nem pensar no assunto”. Minutos depois o senador
descrevia, efusivo, a ampla coalizão que montava em seu estado. Brincava ao
mesmo tempo com os parlamentares, chamando-os por apelidos ou diminutivos. Fez
piadinhas inaudíveis ao pé do ouvido de Júlio Delgado, do PSB. Pegou o tablet
de um assessor para acompanhar as últimas notícias e passou os olhos em alguns
relatórios. Relaxado, pôs-se a falar do lugar de que mais gosta, a fazenda na
cidade de Cláudio, no interior de Minas. “São 50 alqueires e alguns pezinhos de
café para não ficar feio e também curar a cachaça”, ele disse. Chamou seu
refúgio de “meu Palácio de Versalhes”, numa alusão ao château nos arredores de
Paris que funcionou como centro do poder do Antigo Regime francês. “Um dia você
vai conhecer o meu palácio”, prometeu. Nos quase quatro meses em que o
acompanhei em viagens e eventos, ele evitou abrir as portas de seu castelo, sem
nunca ter dito “não” claramente. A fortaleza mineira, na descrição de um amigo
da família, é “uma fazenda tipicamente colonial, sem pompa, com uma capelinha
na entrada e campinho de futebol”.
Imbassahy interrompeu a conversa para mostrar “um vídeo
fantástico” no YouTube. “Já viu?”, perguntou, empurrando o tablet em minha
direção. Aécio e as irmãs Andrea e Angela aparecem ao lado de outros parentes
numa varanda do château. Participam
todos de uma cantoria animada. A música é Tocando em Frente,
de Renato Teixeira e Almir Sater, aquela que diz “ando devagar porque já tive
pressa”. A gravação foi feita em 2006, mas havia sido postada na rede apenas
três dias antes da nossa viagem. “Muito bom, muito bom”, repetia o deputado
baiano. “Ele é o campeão número 1 nesta arte, a sacanagem de agradar”, emendou,
apontando para Aécio.
Entusiasmado,
Imbassahy argumentou que, ao contrário de Serra, que disputou a Presidência em
2002 e 2010, e ao contrário de Alckmin, candidato em 2006, o mineiro agora teve
tempo e condições, como presidente do PSDB, para gestar acordos políticos e
preparar os terrenos regionais. “Esse camaradinha aí costurou coisas que só vão
aparecer lá na frente.” Uma dessas “costuras” apareceu durante o voo. Pouco
antes de desembarcar, entre goles de Coca-Cola Zero, Aécio conversou por
telefone com o ex-prefeito Gilberto Kassab para agradecer o apoio do PSD a
Pimenta da Veiga.
Engomados,
com ternos escuros bem cortados, Pimenta da Veiga e Antonio Anastasia, à época
ainda governador, esperavam por Aécio no aeroporto da Pampulha. Conversaram por
alguns minutos numa sala a portas fechadas. De calça jeans, camisa social
azul-clara, mangas arregaçadas e um sapato social azul-marinho já gasto, Aécio
propôs que todos tirassem as respectivas gravatas. Anastasia foi o primeiro a
atender e, empolgado, se livrou também do blazer, deixando em evidência sua
silhueta roliça. Mais à vontade, embarcaram na van.
"Minas é minha casa e minha causa” – totalmente
confortável em seu discurso, Aécio usou e abusou do bordão, que repetiria em
outras ocasiões. Governador do estado por duas vezes, de 2003 a 2010, foi
reeleito com 77% dos votos válidos. Gosta de mencionar que deixou o governo com
92% de aprovação. Elegeu Anastasia seu sucessor, derrotando a chapa com dois
ex-ministros de Lula (Hélio Costa, do PMDB, e Patrus Ananias, do PT, como
vice). Formado em direito, professor universitário, Antonio Anastasia foi
secretário de Planejamento e Gestão de Aécio no primeiro mandato; filiou-se ao
PSDB a pedido do chefe e tornou-se vice-governador no segundo.
“Depois de
três meses do primeiro mandato eu já sabia que meu sucessor seria o Anastasia”,
disse Aécio. No início da campanha de 2010, o pupilo tinha menos de dois
dígitos nas pesquisas. Terminou eleito no primeiro turno. “Anastasia é um
príncipe. É de uma lealdade indescritível. Um técnico, um político sem ambição.
Mora até hoje num apartamentinho com a mãe, de 90 anos”, contou Aécio no avião,
poucos minutos antes de aterrissarmos. Semanas depois, em São Paulo, o tucano
anunciaria a empresários que Anastasia iria coordenar seu programa de governo.
Se eleito, Aécio transformará Anastasia em um de seus mais poderosos ministros,
muito provavelmente na pasta do Planejamento.
No
palanque, Aécio cutucou Pimenta da Veiga duas vezes, para que encerrasse seu
discurso. Aos 66 anos, ele foi batizado de “candidato naftalínico” pela
oposição. “Os mineiros, que sempre foram protagonistas na história nacional,
vão ter neste ano papel decisivo, porque o próximo presidente da República está
entre nós”, concluiu Pimenta. Anastasia deu seu recado em poucos minutos –
sucinto, como o chefe recomendara. E Aécio falou por menos de dez minutos.
Citou Tancredo Neves e Juscelino Kubitschek, obviamente. Pá, pum!
Quando se
dirige aos mineiros, sua voz ganha uma impostação solene, que faz lembrar
discursos políticos à moda antiga. O recado: estava pronto para ser presidente.
E isso só seria possível com os votos de Minas. Entrou então a música: um
sambinha da década de 80, feito por uma escola tradicional de São João del-Rei para
Tancredo Neves.
Suado, com
a camisa para fora da calça e os cabelos desalinhados, Aécio secou o rosto com
um lenço antes de posar para fãs, a maioria mulheres munidas de celulares. Em
todas as imagens – dezenas – não tirava o sorriso do rosto, exibindo, como se
estivessem congeladas, as famosas covinhas. Entrou num carro com Pimenta,
Anastasia, Imbassahy e Nogueira – e desapareceu. Quando percebi, estava sozinha
na van com um assessor do senador.
Cerca de
quarenta minutos depois eles ressurgiram no hangar onde os aguardávamos. Aécio
explicou a razão do sumiço: fora visitar o ex-deputado Eduardo Azeredo, que na
véspera havia renunciado ao mandato. Réu na ação penal do mensalão tucano que
tramitava no Supremo Tribunal Federal, Azeredo, com seu gesto, conseguiu levar
o processo à primeira instância, postergando o julgamento e mantendo-se
distante dos holofotes, ao menos por ora. O procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, havia pedido sua condenação a 22 anos de prisão por desvio de
recursos na campanha eleitoral de 1998. No dia em que esteve com ele, Aécio
limitou-se a comentar que Azeredo – como ele, também ex-governador de Minas –,
é “um homem de bem” e estava “abatido”. E foi logo puxando outro assunto.
Não foi por acaso que durante o voo Imbassahy me mostrou o vídeo
de Aécio na fazenda. A divulgação na rede de uma cena familiar (ou um “conteúdo
positivo”, no jargão dos marqueteiros) faz parte de uma operação de guerra. A
campanha tucana se preocupa particularmente com os efeitos nocivos da internet
para a imagem do candidato. Seus apoiadores discutem a possibilidade de criar
um espaço virtual para publicar “todos os boatos” sobre o mineiro, com as
respectivas respostas. A inspiração vem de Barack Obama, que fez uso desse
recurso na campanha americana.
Aécio move
processos contra o Facebook e os buscadores Google, Yahoo e Bing. Alguns
tucanos consideram que a estratégia é um tiro no pé. O senador reitera que tem
sido mal interpretado e que não há, nem nunca houve, nenhuma intenção de
praticar censura.
O
escritório de advocacia Opice Blum é um dos mais renomados do país nas questões
sobre direito digital. Aécio o contratou como pessoa física e mantém os
honorários em segredo. Dois processos contra o Facebook – um deles corre em
sigilo de Justiça – pedem a retirada de perfis falsos de Aécio, que usam a
primeira pessoa e incitam o uso de drogas. “Aí não dá para admitir. Isso é
criminoso”, me disse Juliana Abrusio, jovem advogada de 36 anos. Sentada
em sua mesa, numa sala ampla que divide com outros advogados, ela sorvia um
picolé Rochinha enquanto me explicava os processos. De acordo com Juliana, são
vários perfis criados por “quadrilhas virtuais criminosas” para difamar a
imagem do senador. A crítica, a divergência de opinião e até a zombaria são
aceitáveis; “o crime, em hipótese alguma”, frisou.
Saia justa até o joelho, meia fina, saltinho, camisa
social rosa-clara, ao terminar o picolé Juliana fez um coque no cabelo e o
prendeu com uma caneta. Explicou que o processo contra os buscadores da
internet é referente “a uma mentira que espalharam na rede dizendo que o
senador é acusado em ação judicial promovida pelo Ministério Público de ter
desviado 4,3 bilhões de reais”. Essa “mentira”, disse Juliana, “foi disseminada
na internet por meios ilícitos” (robôs, spams de
comentários e outras táticas de guerrilha) “para influenciar os algoritmos
desses sites de busca”. Quanto maior o interesse por um tema na rede, mais
destaque ele ganha no buscador. O que o senador quer, enfatizou a advogada, é
que essa combinação de palavras “Aécio + desvio de R$ 4 bi” deixe de ser
“oferecida espontaneamente pelos buscadores”. Ela insistia: “Não é censura. Não
pedimos a retirada de nenhum conteúdo.” Não seria uma luta inglória? Ela admite
que, se Aécio vencer as ações, os conteúdos vão continuar na rede. Mas ficaria
mais difícil acessar tais notícias.
O caso dos
4,3 bilhões é intricado. A promotora de Justiça Josely Ramos Pontes, que
investigava a aplicação de recursos na Saúde durante o governo Aécio, em
determinado momento descobriu que mais de 50% dos investimentos na área
provinham de ações desenvolvidas pela Copasa, a Companhia de Saneamento de
Minas Gerais. Achou exagerado. No orçamento, o governo informava que havia
transferido dinheiro à entidade para aplicá-lo em ações de saneamento. Uma
auditoria mostrou, no entanto, que nos documentos contábeis da Copasa não
apareciam tais recursos. Foi a partir dessa constatação que a promotora
resolveu mover a ação de improbidade contra Aécio. Em janeiro deste ano, o
procurador-geral de Justiça de Minas, Carlos André Bittencourt, entendeu que a
promotora não poderia processar um governador e arquivou o caso, sem entrar no
mérito. Josely recorreu em abril. “A toda sentença cabe uma apelação. A ação de
improbidade ainda existe”, ela me disse por telefone. Não se trata, de acordo
com a promotora, de uma ação para questionar o percentual de recursos aplicados
na Saúde (que deve ser de 12% da receita estadual, segundo a Emenda 29). Há
suspeita de desvio?, indaguei. “O que eu posso afirmar é que o estado não
colocou esse dinheiro na Saúde. Os recursos aparecem na prestação de contas do
estado, mas não foram gastos. A impressão que eu tenho é que esse dinheiro não
existe, é uma invenção”, foi a resposta.
"Ele agora está louco para ser presidente e
convencido de que vai chegar lá. Mudou muito. Isso é uma coisa curiosa, porque
levou algum tempinho. E mais do que isso: ele se entusiasmou com a campanha e
com a possibilidade de vitória”, disse o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, quando conversamos em seu apartamento no bairro de Higienópolis, em
São Paulo. Principal mentor da candidatura de Aécio em prol da renovação no
PSDB, há alguns anos FHC tinha dúvidas sobre o real desejo do mineiro de
encarar o projeto presidencial. Em agosto de 2007, ele disse a piauí: “Serra seria um bom
presidente. Quebra-lanças. Aécio é mais conservador, acomoda mais. Isso dito,
politicamente o Aécio é fortíssimo. Pode ser menos preparado que o Serra, mas é
popularíssimo. […] Agora, o Aécio gosta demais da vida privada dele. Pode
parecer banal, mas é assim que as coisas funcionam. Com a Presidência, muda
tudo. Como ele não poderia mais ter a liberdade de que goza hoje, prefere
pensar que tem tempo pela frente.”
Quase sete
anos depois, FHC fez um adendo a seu diagnóstico. “Nisso o Aécio se parece
comigo: ele não é muuuito apegado, ‘Eu quero ser isso, eu quero ser aquilo’.
Ele não é assim”, disse, enfatizando o advérbio. “O que não quer dizer...”,
refletiu, sem terminar a frase. E foi direto para a moral da história: “Eu
também não era muito apegado. E fui presidente duas vezes.”
No
avião, em meio a leves turbulências, Aécio contou que “não queria de jeito
nenhum” ser governador de Minas em 2002. Vivia um momento auspicioso no
Parlamento, depois de ter sido eleito presidente da Câmara em 2001. Mas há
sempre o imponderável. O então governador Itamar Franco enviou o ex-embaixador
José Aparecido como emissário para convencer Aécio a disputar o governo com o
apoio dele. Itamar tinha rompido com Newton Cardoso, o todo-poderoso do PMDB.
Aécio avisou que aquilo não daria certo, porque Itamar era do mesmo partido de
Newton. E fez uma proposta inusitada, imaginando que enterraria o assunto: a
única possibilidade de considerar uma candidatura seria se Itamar deixasse o
PMDB. Certo de que isso não ocorreria, embarcou para a Chapada dos Veadeiros,
em Goiás, com uma namorada de Brasília e um casal de amigos. “Foi ótimo, eu
estava leve, cachoeira, aquela energia. Voltei tranquilo, dirigindo uma
caminhonetezinha que eu tinha, só nós quatro... Chegando em Brasília começa a
aparecer o sinal do celular. Não sei quantos mil recados, telefonemas para a
casa da Presidência da Câmara.” Itamar havia se desfiliado. “Todo aquele peso
que a cachoeira tinha me lavado voltou de novo. E lá fui eu. Virei governador”,
contou.
Misto de playboy carioca e menino do interior mineiro seria uma
boa definição para Aécio, segundo quem o conhece bem. Quando seu pai, Aécio
Ferreira da Cunha, foi fazer um curso na Escola Superior de Guerra, na década
de 70, levou toda a família para o Rio. “Aecinho” completou 10 anos de idade na
capital fluminense. Era surfista, gostava de moto. Nas férias em Minas,
cavalgava. Frequentava badalações em resorts no Nordeste, agitos em Búzios e
Angra dos Reis, mas também viajava para a fazenda em Cláudio, fazia cavalgadas
até cidades vizinhas. Sempre gostou de jogar peladas de rua. Continuou prezando
todos esses hábitos depois de ingressar na política. “Se você precisasse achar
o Aécio num final de semana, era melhor desistir. Ele não atendia celular de
jeito nenhum. Agora ele me deu um número e até liga pra gente, a qualquer hora
e a qualquer dia”, me disse um deputado.
Cruzeirense
fanático, quando adolescente Aécio pegava um ônibus no Rio para assistir aos
jogos no Mineirão. Não perdia um. Dias depois da posse do primeiro mandato de
governador, despediu-se dos ajudantes de ordens, tirou o terno e disse que iria
sozinho ao estádio. Foi um fuzuê. O Gabinete Militar se viu obrigado a relaxar
os padrões de segurança que adotava para adaptar-se aos hábitos de Aécio.
No Rio, o
mineiro começou a cursar direito na Pontifícia Universidade Católica e economia
na Cândido Mendes. Em 1982, aos 22 anos, cedeu aos apelos do avô para ajudá-lo
na campanha ao governo de Minas. Transferiu o curso de economia para a PUC
mineira e abandonou a faculdade de direito. “Se fosse um momento normal da vida
brasileira, muito provavelmente eu não teria ido, não teria largado minha vida
no Rio”, disse. Por influência do avô, também abortou o mestrado em Harvard,
que estava engatilhado para 1985 – “Acho que nunca contei isso pra ninguém,
quem sabe eu ainda realize esse sonho represado.” A carreira política começou
formalmente em 1986, como constituinte, e se estendeu na Câmara dos Deputados
por quatro mandatos consecutivos, até o final de 2002.
Aos 54
anos, completados em março, Aécio é – ou foi, segundo os que sustentam sua
candidatura – uma pessoa boêmia. Durante muitos anos era figura assídua em
sites de fofocas de celebridades. Além das namoradas do mundo pop – atrizes,
modelos, colunáveis –, em diversas ocasiões apareceu na noite com amigos
badalados, entre eles o ex-jogador Ronaldo Nazário, o empresário Alexandre
Accioly e o apresentador Luciano Huck. “Mudei para o Rio há quinze anos.
Conheci muita gente na Cidade Maravilhosa, mas construí poucas e sólidas
amizades, que não enchem a palma de uma mão. Aécio é uma delas”, disse Huck
por e-mail no final de um dia cheio de gravações na Globo. O animador
televisivo confirmou que ele e Aécio se veem com frequência. Disse que não
falam de política nos momentos de lazer. Destacou a lealdade e a capacidade do
mineiro de ouvir e declarou sem titubear seu voto. “Sem dúvida, acho Aécio a
melhor opção para colocar o país no caminho de uma nação mais bacana de se
viver.” Na última semana de maio, Ronaldo também tornou público seu voto no
tucano.
Numa reportagem de 2008 intitulada “Menino do Rio”, a revista Época fez um roteiro dos
bares e restaurantes cariocas que o governador Aécio frequentava. Trazia fotos
de baladas em que o político fora visto e de mulheres com quem havia se
relacionado. No texto, o publicitário Nizan Guanaes palpitava sobre as chances
de Aécio vencer uma disputa presidencial: “Ele tem o charme do JK e o jogo de
cintura do Tancredo. Só faltam uns fios de cabelo branco e uma primeira-dama para
ele assentar.” Aécio respondia que a madeixa branca apareceria com o tempo.
“Mas casar?! Prefiro apoiar o Serra.”
Aécio foi
casado durante sete anos com a advogada Andréa Falcão, com quem teve a filha
Gabriela, em 1991. Separaram-se em 1998. Tentaram uma reaproximação dez anos
depois do divórcio, mas não vingou. A ex-miss Natália Guimarães foi apontada
como o pomo da discórdia. Hoje casada e mãe de gêmeas, Natália prefere não
falar. Com vários fios grisalhos, Aécio casou-se com a modelo Letícia Weber, de
34 anos, em outubro do ano passado, numa cerimônia quase secreta, após de cinco
anos de namoro. A imprensa só ficou sabendo dias depois. A modelo está grávida
de gêmeos.
Em
novembro de 2009, o jornalista Juca Kfouri publicou em seu blog uma nota que
tirou Aécio do prumo. Escreveu que testemunhas viram o senador tucano dar um
safanão em Letícia numa festa do estilista Francisco Costa, da Calvin Klein, na
piscina do Hotel Fasano, no Rio. Aécio negou e disse que processaria o
jornalista por calúnia. Nunca o fez. Kfouri manteve a informação, apesar das
contestações do ex-governador. Nunca vieram à tona fotos, vídeos ou testemunhas
que confirmassem o caso. Seis dias antes, uma nota similar havia sido postada
no site Glamurama, da colunista Joyce Pascowitch. A jornalista não citava
nomes. Só falava de “tapa na cara” da moça, “que revidou”.
Juca
Kfouri respondeu de forma lacônica a perguntas que lhe enviei por e-mail. Disse
que não tem mais contato com as testemunhas que lhe relataram o fato do Fasano,
mas mantinha o que escrevera. E confirmou que Aécio nunca o interpelou
judicialmente. Ficou por aí. “Meus advogados me orientaram a não tocar neste
tema”, concluiu o jornalista.
Internada
desde o final de maio na clínica Perinatal, no Rio, sob observação e cuidados depois
que teve contrações inesperadas com quase seis meses de gestação, Letícia me
enviou uma mensagem por torpedo. “Toda essa mentira foi um grande absurdo”,
disse, referindo-se à noite do Fasano. “Me impressiona a maldade de pessoas que
se especializam em tentar destruir a reputação de adversários, disseminando
esse tipo de coisa na internet. A vida do Aécio, pública e privada, é honrada e
imune a esse tipo de mentira.”
Aécio
admitiu que sua relação com Letícia teve “idas e vindas”, como a de muitos casais,
mas hoje é “muito madura”. “Estou achando lindo ser pai novamente. Estou feliz
em casa.” Disse que os gêmeos o deixam “renovado, vigoroso e jovem”. E definiu
assim seu momento pessoal: “Eu dei muita sorte na vida. Tenho uma filha
extraordinária, tenho uma relação fantástica com minha ex-mulher. Ela é minha
parceira querida, amiga, uma mãe maravilhosa, convive comigo, eu convivo com
ela. Minha mãe é uma coisa única no mundo, presente o tempo inteiro. Tenho uma
irmã maravilhosa, sempre com uma solidariedade e uma generosidade que
ultrapassam qualquer limite. A Andrea, que você conheceu...”
Encontrei Andrea Neves no início de abril, no restaurante do
Minas Tênis Clube, tradicional reduto frequentado pela elite belo-horizontina.
A poucos metros do Palácio da Liberdade, o local, fundado em 1935, está fora da
rota de badalações e perdeu o glamour do passado. De cabelos lisos e longos,
blusa branca, echarpe discreta, calça preta e óculos de grau, Andrea Neves é
uma pessoa silenciosa até no visual. Tanto que seu único enfeite eram os
delicados brincos de pérolas. Ela se dirigiu para a varanda e ocupou a mesa de
sempre, num canto. Explicou-me que ali sente a energia fluir melhor. Seu pai
costumava fazer reuniões políticas no restaurante.
Avessa a entrevistas e exposições, Andrea se assume como uma
mulher dos bastidores, da articulação política. Fala baixo e com delicadeza,
mas quase sem pausa, puxando o s com afinco –
“No Rio dizem que não tenho sotaque, aqui dizem que sou carioca, então resolvi
dizer que sou de Juiz de Fora.” Um ano mais velha que o irmão, hoje com 55
anos, foi militante quando jovem e ajudou a fundar o PT no Rio, numa época em
que Aécio se ocupava mais de sua prancha. Quando Tancredo chamou o neto em
1982, Andrea não perdeu tempo. “Vim junto, de enxerida.” Desde então ela é o
esteio político do irmão. Adversários e mesmo aliados do tucano a chamam de
“Goebbels das Alterosas” e “Golbery do Aécio”, alusões ao poder do ministro da
Propaganda de Hitler e à iminência parda do governo Geisel.
No primeiro
governo do tucano em Minas, no início de 2003, Andrea foi nomeada coordenadora
de um grupo de comunicação que reformularia toda a estratégia de marketing no
estado. Deu coesão a campanhas e peças publicitárias e pôs em prática a
política de distribuir a propaganda oficial entre todos os veículos, ainda que
o preço de cada um deles pudesse variar.
“Não há o
que atacar na vida privada do Aécio”, afirmou Andrea, entre uma garfada e outra
de polvo a vinagrete, que naquele dia “não estava muito bom”, comentaria
depois. “As pessoas podem ou não gostar do estilo de vida dele, mas não há
razões para ataque”, prosseguiu. “A grande prova disso é que, para atacar, as
pessoas precisam inventar, caluniar. Aécio tem uma vida pública de trinta anos.
Se houvesse alguma coisa na biografia dele que pudesse sustentar algum tipo de
ataque, você não acha que, há muito, já teria sido usada?”, indagou. “Por que a
política não pode ser feita com alegria, leveza e integridade?”, perguntou em
seguida.
“Leveza” e “alegria” são palavras-chave no repertório do
aecismo. Dias antes de falar com Andrea, Anastasia havia me dito que a campanha
será “à
la JK,
leve, sorridente, para cima, animada”. O “lado festeiro” de Aécio, enfatizou o
ex-governador, agora candidato ao Senado, “é uma vantagem, um ponto positivo.
Dá a ele um aspecto humano. É uma pessoa que se diverte, é feliz”.
No
restaurante Andrea disse coisa parecida, traçando uma espécie de genealogia do
estilo político do irmão: “Aqui em Minas, o universo político, ainda hoje
referenciado nas raízes do PSD e da UDN, registra a grande diferença no modo
como os dois partidos fazem política. No PSD, a política era feita com alegria,
bom humor, sem ser considerada um fardo. Nessa escola estariam Tancredo e
Juscelino. Já a UDN tinha uma postura mais severa, mais pesada, o discurso dos
grandes sacrifícios pessoais feitos em nome do povo.”
Semanas
mais tarde, o publicitário mineiro Paulo Vasconcelos, que vai coordenar a
comunicação da campanha, voltaria ao tema. “O Aécio traz na leveza de ser uma
matéria-prima que pode ser explorada tanto para o bem quanto para o mal”,
disse.
Em dois
momentos Andrea pareceu se emocionar. Suspirou fundo e ficou segundos em
silêncio, mirando o horizonte, ao falar da morte de Tancredo. “Eu acho que a
decisão do Aécio de entrar na política foi tomada ali. De alguma forma ele
selou ali um compromisso. Como nunca fizemos terapia, não sei se é isso”,
disse, soltando a seguir uma risada contida. O segundo momento em que o choro
se insinuou veio quando ela mencionou o câncer do primeiro marido e o “apoio
incondicional” que recebeu de Aécio na ocasião.
Confrontado
com a suspeita da irmã de que sua decisão de abraçar a vida pública estava
relacionada à morte do avô, o senador tucano disse que foi exatamente o
contrário: “A morte dele quase me tirou da política. A vida dele e o convívio
que eu tive com ele é que foram preponderantes para me colocar na política. Eu
pensava: O que eu vou fazer em Brasília, num governo Sarney? Não tenho nada a
ver com esse pessoal. Aí eu fiquei naquela dúvida, se ficava ou não.” O primo
Francisco Dornelles, hoje senador pelo PP, o convenceu a ficar em Brasília.
Aécio ocupou uma diretoria da Caixa Econômica Federal durante um ano.
No final
do nosso encontro, perguntei a Andrea por que ela nunca tinha se candidatado a
nada. “Acho que existem várias formas de fazer política. Eu faço política.
Nunca quis disputar uma eleição, acho que por pura timidez.” Seria ministra?
“Tenha dó!”, gargalhou. Uma coisa é certa: Andrea se muda para Brasília se
Aécio vencer. E, dentro ou fora da Esplanada, vai comandar a comunicação do
governo.
Desarticulada, a oposição mineira passou anos assistindo ao
reinado de Aécio. O PT engoliu o Lulécio (o voto casado em Lula e Aécio), o
Dilmasia (os eleitores que escolheram Dilma e Anastasia) e o Pimentécio (a
inusitada união do ex-prefeito petista Fernando Pimentel e Aécio para levar
Marcio Lacerda à prefeitura da capital). “Aécio sempre incentivou esses bichos
esquisitos em Minas”, contou o deputado estadual Rogério Correia (PT), um dos
principais opositores do tucano. Agora rompido com Aécio e candidato ao governo
do estado, Pimentel tem dificuldades para atacar o ex-aliado.
Foi
somente em 2011 que uma oposição mais estruturada começou a surgir, com o nome
de “Minas Sem Censura”. Atualmente o bloco parlamentar reúne 21 deputados – do
PT, do PMDB e do PRB. Pouco numerosos, mas muito barulhentos, atuam sobretudo
via internet. Mantêm um site em que denunciam indicações políticas em estatais,
reproduzem insatisfações do funcionalismo, dão voz a suspeitas de
irregularidades em obras e parcerias público-privadas, além de baterem na tecla
da “mordaça” que o governo mineiro impõe ao Judiciário, ao Ministério Público
e, sobretudo, à imprensa.
Em 2006, a
blindagem do governo foi tema de documentário de um estudante de jornalismo da
Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG. O trabalho de conclusão de curso
de Marcelo Baêta teve audiência inesperada na rede e repercutiu fora do país.
Trazia depoimentos de jornalistas de peso, como o ex-diretor da Globo local
Marco Nascimento, entre outros comentaristas e editores. Todos diziam sempre a
mesma coisa: havia coerção do governo sobre a mídia. E mais: teriam sido
demitidos depois de relatar episódios contrários aos interesses do governo.
Nascimento conta que havia sido contratado pela Globo com a
missão de proteger o jornalismo de eventuais assédios políticos em Minas. O Jornal Nacional reproduziu
uma reportagem sobre a disseminação do crack e a incapacidade da polícia de
coibir o consumo da droga no estado. Andrea convidou-o para um almoço, durante
o qual, na versão dele, disse que o momento era difícil para o governo. Depois
desse contato, as reclamações continuaram e chegaram à direção da emissora no
Rio. Ele perdeu o emprego. Em nota divulgada à época e reproduzida no
documentário, a Globo alegou ser “comum que um profissional demitido procure
desculpas além de seu desempenho profissional ou do seu comportamento pessoal
para justificar sua saída”. [...] “A isenção do nosso jornalismo não pode ser
medida por teorias conspiratórias baseadas no ressentimento, mas pelo que
levamos ao ar e é julgado permanentemente pelo nosso público.” Agora chefe de
redação do SBT, o jornalista não retornou os contatos telefônicos feitos por piauí.
Produtor independente, com passagem pela Bloomberg, BBC e CNN, o
jornalista Daniel Florêncio vive em Londres há mais de uma década. Contratado
pela Current TV – experimento digital bancado por Al Gore para produzir
documentários –, Florêncio fez em 2008 o vídeo Gagged in Brazil (Mordaça no
Brasil), sobre a “censura em Minas”. Na esteira do filme de Baêta, esse também
teve impacto. Além de reproduzir as histórias relatadas por Baêta, Florêncio
coletou alguns depoimentos de jornalistas que pediram o anonimato.
O PSDB mineiro enviou uma carta a executivos da Current TV em
São Francisco, nos Estados Unidos, pedindo que o vídeo fosse retirado do ar.
“Queriam saber quem eram minhas fontes, de onde vinham minhas informações”, ele
me contou por Skype. O jornalista deu as explicações a seus superiores e o
documentário voltou a ser exibido depois de um mês. Na época em que fez o
vídeo, Florêncio ofereceu à assessoria de imprensa de Aécio espaço de resposta,
mas, segundo contou, “oapproach deles
foi agressivo”. Meses depois, colegas mineiros vieram lhe perguntar quanto ele
havia embolsado do PT para produzir a peça. “A elite belo-horizontina cabe no
salão de festas do Minas Tênis Clube. Querem chegar ao poder com ele”, disse,
preferindo não citar nomes, sobre o comportamento da imprensa local.
Ojornalista esportivo Ulisses Magnus, que é mencionado no
documentário de Baêta, hoje trabalha na Record do Rio. No vídeo, ele relatou
sua demissão da Rede Minas, a tevê pública do estado. Então presidente do
Cruzeiro, o atual senador Zezé Perrella (pdt) não gostou de uma reportagem em
que o técnico Vanderlei Luxemburgo esculhambava um jogador e disse a Magnus que
assim que Aécio assumisse ele seria demitido. Três meses depois da posse,
coincidência ou não, o editor perdeu o cargo. “Me demitiram pelo episódio. Mas
não posso jogar pedras nem acusar. O que eu sei é que esse governo investe
bastante em publicidade e existe patrulhamento sobre o que se diz ou não”,
sustentou Magnus, numa rápida conversa por telefone. Despediu-se de forma
curiosa: “Cuidado aí, só isso.”
Andrea
Neves considera estapafúrdias as acusações. Quando conversamos, ela me adiantou
que não falaria sobre esse tema – já havia acumulado um desgaste pessoal
excessivo, tantas eram as informações infundadas. Para a família, a intriga da
censura é o único discurso que a oposição encontrou para macular a imagem de
Aécio. Na avaliação da equipe do candidato, nenhum dos dois vídeos foi feito
com rigor jornalístico, nenhum merece credibilidade.
O tema, no entanto, tira Aécio de seu habitual bom humor. Ao
comentar o assunto, foi um dos raros momentos em que ele elevou o tom de voz.
“Desde que eu nasci ouço essa história de que a imprensa mineira é complacente.
Isso é dito principalmente por quem não lê a imprensa mineira”, disse. “Os
mineiros também são críticos e censura é uma lenda urbana”, prosseguiu,
passando a analisar o comportamento dos três principais jornais do estado: “OTempo me
critica mais que a imprensa nacional; o Hoje em Dia nem
conta porque é menorzinho; e o Estado de Minas sempre
teve posição pró-governo pelo seu tipo de jornalismo, que não é um jornalismo
de questionamento.”
Fundador do Tempo e do Super Notícia (diário popular
vendido a 25 centavos), o ex-tucano Vittorio Medioli me disse que seu jornal
atua com independência e critica todas as esferas de governo. “Aécio Neves se
mostrou várias vezes incomodado, mas não mudamos nossa atitude.” Acrescentou
que o senador cultiva uma relação pessoal e intensa com a imprensa – “uma
importância talvez excessiva” – que lhe permitiu ter “trânsito privilegiado” em
alguns veículos. Disse ainda que a assessoria de Aécio é rápida nas respostas,
sobretudo em momentos de crise. “Ele é muito solícito e preocupado em não
deixar que prosperem dúvidas a respeito da imagem dele. É muito persistente em
exigir que a versão dele apareça.” Aécio “conhece o processo midiático como
poucos políticos”, enfatizou Medioli.
É
“primário, ridículo, absurdo” pensar que ele ou Andrea ordenem demissões, me
disse Aécio. Alegou ser um dos personagens políticos “mais atacados
pessoalmente e de forma leviana” pela mídia que é “sustentada com recursos do
governo federal”. E completou: “Nunca liguei para diretor de jornal para
criticar jornalista, quanto mais para pedir demissão. Eu posso até ligar para o
jornalista e dizer: ‘Olha, está errada essa tua informação.’ Isso eu faço. Mas
ligar porque o cara publicou algo contra mim? Zero”, finalizou, já com o tom de
voz normalizado.
Minas Gerais será a vitrine de Aécio na campanha. Ele não se
cansa de frisar que colocou as finanças do estado em ordem, de mencionar o
chamado “choque de gestão” ou o “déficit zero”. Em seu primeiro mandato,
governou com dezessete secretarias, cinco a menos que o antecessor Itamar
Franco, extinguiu quase 3 mil cargos comissionados, reduziu os salários dos
secretários e o dele próprio, e passou a remunerar servidores conforme a
qualificação e o cumprimento de metas. O tucano costuma apresentar Minas como
um oásis do crescimento, mas o fato é que o PIB mineiro, segundo o IBGE, seguiu pari passu o PIB nacional de
2003 a 2010, com pequenas oscilações. O governo do estado divulga o
“crescimento chinês” de 8,9% em 2010, mas não faz questão de lembrar que no ano
anterior, 2009, o PIB do estado havia diminuído 4%.
À frente
da secretaria de Planejamento de Aécio no primeiro mandato, Anastasia dizia na
época que a dramaticidade da palavra “choque” não era retórica, mas sim o termo
apropriado diante da necessidade de mudanças abruptas num estado marcado pela
desordem fiscal. Minas tinha déficit de 2,4 bilhões de reais, salário do
funcionalismo escalonado, décimo terceiro atrasado. Como o governo Itamar havia
decretado a moratória do pagamento da dívida com a União e não honrara
contratos internacionais, era difícil atrair investimentos para o estado.
Aécio adotou
medidas pouco populares para atingir o equilíbrio orçamentário. No primeiro ano
de seu governo, cortou investimentos, reduziu despesas de custeio, congelou
salários do funcionalismo e reviu abonos. Na outra ponta, o estado investiu em
parcerias com o setor privado, sobretudo na Saúde e no setor prisional. No ano
passado, Minas inaugurou seu primeiro complexo penitenciário administrado pela
iniciativa privada, modelo controvertido nos países em que é aplicado. (Nos
Estados Unidos, por exemplo, ele é considerado um estímulo à superpopulação
carcerária, já que, para que o negócio seja rentável, o poder público precisa
garantir um número mínimo de detentos.)
Antes de
deixar o governo, Anastasia divulgou um decreto voltando a cortar para
dezessete o número de secretarias, que já havia superado as 22 do tempo de
Itamar – eram dezenove secretarias fixas e quatro extraordinárias, que, segundo
a versão oficial, não aumentavam o custeio. O recuo foi decidido às pressas
para não desmoralizar o discurso do presidenciável. O sucessor de Aécio cortou
também às pressas os cargos comissionados, que aumentaram 92% (de 2 230 para 4
286) entre dezembro de 2003 e janeiro deste ano. O governo argumenta que esse
acréscimo foi justificado pela ampliação dos serviços públicos.
Se, por um lado, são reconhecidas mudanças positivas na gestão
em Minas, também não faltam críticas aos abusos de marketing. Autores do livro A Dívida Pública do Estado de Minas Gerais,
os economistas Fabrício Augusto de Oliveira e Claudio Gontijo argumentam que
Minas saiu do fosso fiscal em parte porque o país começou a crescer mais a
partir de 2004, o que trouxe receitas inesperadas para o estado. O livro foi
escrito para subsidiar uma frente parlamentar para a renegociação da dívida
estadual presidida por um deputado do PT, com base numa consultoria técnica
sobre o orçamento mineiro que Oliveira prestou ao Tribunal de Contas do Estado
até 2010.
“Déficit
zero é marketing e um conceito destituído de significado porque o governo de
Minas inflava as receitas de um lado e subestimava as despesas de outro”, disse
Oliveira, ex-professor da Unicamp e da UFMG. No lado da receita, afirmou, o
governo de Aécio lançava dívidas contratadas, ou seja, dinheiro que teria que
pagar em longo prazo. “Dívida não é receita, você apenas tem um equilíbrio
momentâneo.” Do lado das despesas, o governo omitia o que não conseguia quitar
do contrato da dívida do estado com a União (juros, encargos, amortização).
“Minas decretou moratória em 1999. O cara vai chegar como mágico e equilibrar
as finanças?”, perguntou Oliveira, que foi secretário da Fazenda adjunto de
Itamar.
Aécio
costuma dizer que a situação do estado era tão caótica que não havia
possibilidade de eleger prioridades, mas sim “a” prioridade. “E foi a
educação”, afirmou. Ele vai explorar na campanha o fato de a educação básica em
Minas ter obtido a melhor nota do país no Ideb, o indicador criado em 2007 pelo
Ministério da Educação para avaliar o desempenho dos alunos em português e
matemática. No último ranking, relativo a 2011, Minas ficou com 5,9, contra 5
da média nacional.
Oescritório da Gávea Investimentos fica num prédio moderno de uma
das ruas mais movimentadas do Leblon, na Zona Sul do Rio. As portas se abrem
com sistema biométrico (impressões digitais), como nos laboratórios do seriado
americano CSI.
É ali que
trabalha Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central de FHC. Crítico agudo e
por vezes exaltado da política econômica do governo Dilma Rousseff, ele se
tornou o principal fiador de Aécio Neves na área econômica, uma espécie de
âncora do discurso da austeridade fiscal.
“Espere
três minutos, por favor”, ele disse, entreabrindo a porta da sala de reunião
onde eu o aguardava. Voltou exatamente 180 segundos depois – cronometrados.
O economista trabalha em média treze horas por dia e abriu mão
de parte de suas tarefas para se dedicar ao projeto presidencial tucano. Ainda
se ocupa do plano de construção do campo de golfe olímpico e dos esforços para
inaugurar uma unidade do Hospital Sírio-Libanês no Rio. “Também sou consumidor
da produção acadêmica”, completou. Atualmente conclui a leitura de O Capital no Século XXI, o
best-seller do economista francês Thomas Piketty.
À campanha
eleitoral, Armínio Fraga destina pelo menos três horas por dia. Com 56 anos,
Armínio, como é chamado, ainda não pretende deixar a Gávea, empresa que criou
em 2003 e atualmente administra investimentos de 15,2 bilhões de reais. “Eu não
vou redigir programa e tampouco me envolvo em questões de captação de recursos
para a campanha”, disse, justificando ser razoável o tempo dedicado a Aécio.
“Ele ganhando, e penso que ele tem tudo para ganhar, certamente aí eu vou ter
que me desligar”, antecipa o ex-presidente do Banco Central. Armínio Fraga deve
ser o ministro da Fazenda se Aécio Neves chegar ao Planalto. Por ora, ele se
limita a dizer que “com certeza consideraria ir para Brasília”.
Calvo,
cavanhaque e rosto redondo, Armínio tem uma expressão viva quando conversa.
Consegue ser ao mesmo tempo elétrico e sereno. Ele e Aécio se comunicam
diariamente por e-mail e com frequência por telefone. Encontram-se pelo menos
duas vezes por mês. Para Armínio, é uma convivência parecida com a que mantinha
com FHC. “Mesmo nos piores momentos preserva-se um bom humor e há espaço para
uma convivência minimamente agradável. E sempre profissional”, disse.
A parceria
com o investidor George Soros, para quem trabalhou no Soros Fund Management,
rendeu a Armínio duras críticas do PT quando ele se integrou à equipe
econômica, no furacão de 1999. Foi identificado como a “raposa que tomava conta
do galinheiro”. Ele sente indisfarçável orgulho do ajuste fiscal implementado
na época. Lembrou que o Brasil foi obrigado a abandonar a paridade cambial e o
momento era de absoluta incerteza. “A previsão de crescimento do PIB era de menos
4%, e a previsão de inflação estava dispersa entre 20% e 50%. Se a inflação
passasse de 10%, iria reindexar tudo. Introduzimos um sistema de metas, foi
necessário apertar a política monetária, as expectativas se acalmaram. O
investimento, que vinha devagar, represado, voltou. O consumo voltou e a
economia andou”, resumiu.
Um dia
antes de conversar com investidores financeiros em São Paulo, no final de
abril, Aécio jantou com Armínio Fraga para calibrar o discurso. Se para o
mercado financeiro sua presença na campanha tucana é um conforto, para o PT
virou munição. O partido associa os colaboradores de FHC e o “ajuste fiscal” a
recessão, desemprego, redução de salários e corte de programas sociais. Aécio
ajudou os petistas quando declarou a empresários mineiros, durante um almoço,
que fará tudo o que for preciso para colocar o país no rumo, até mesmo adotar
“medidas impopulares”.
Precisa “ir com jeito”, disse FHC. “Não dá para repetir o que eu
fiz. Tem que fazer outras coisas. Os desafios são de outra natureza. Além de
restabelecer a credibilidade do governo e das contas públicas, o central é
educação, infraestrutura e segurança”, resumiu. E acrescentou: “Tem que modular
esse discurso. Não são [medidas] impopulares. Tem que dizer outra coisa: ‘Eu
vou resgatar o poder de compra do salário do povo.’ Tem que ser objetivo.”
O pior, na verdade, já aconteceu, me disse Armínio Fraga, na
tentativa de reverter o impacto negativo da frase de Aécio. “Conduzir os
assuntos fiscais do país de maneira bagunçada só traz confusão e sofrimento.
Não serve para nada.
O país vive um momento de inflação alta e baixíssimo investimento”, disse. No fim, rejeitou a pecha de “neoliberal”. “Eu sou liberal com coração à esquerda”, falou.
O país vive um momento de inflação alta e baixíssimo investimento”, disse. No fim, rejeitou a pecha de “neoliberal”. “Eu sou liberal com coração à esquerda”, falou.
Voltei a tocar no tema “medidas impopulares” com Aécio no dia em
que ele jantou com Armínio Fraga em São Paulo. Ele foi categórico em dizer que,
se eleito, manteria a política de reajuste do salário mínimo conforme o
crescimento do PIB. Na época, o PT já estava explorando uma entrevista que
Armínio deu ao Estado de S. Paulo em
meados de abril. Nela, reconhecendo a delicadeza do tema e sem avançar em
propostas, o economista disse que “o salário mínimo cresceu muito ao longo dos
anos” e que até líderes sindicais reconheciam que o salário em geral “precisa
guardar alguma proporção com a produtividade, sob pena de, em algum momento,
engessar o mercado de trabalho”.
Em relação a programas sociais, Aécio foi inicialmente vago:
“Vamos avaliar melhor vários programas que estão aí? Vamos. Vamos ver qual é o
efeito e a consequência de cada um deles.” E antes que eu formulasse nova
pergunta, antecipou-se: “Eu não vou cair nesta armadilha do ‘nós vamos
cortar programas sociais’. Porque nós não vamos. Nós vamos é qualificá-los. Nós
vamos evitar o desperdício.” O senador apresentou em 2013 um projeto de lei que
transforma o Bolsa Família em programa de Estado. Foi uma das suas principais
iniciativas no Senado até o momento.
O PT se recusa a votar a proposta para não dar palco ao tucano.
O PT se recusa a votar a proposta para não dar palco ao tucano.
Aécio Neves apresentou no Congresso o esboço de sua plataforma de
governo no dia 17 de dezembro do ano passado, uma terça-feira. Composto de doze
itens, o documento se organizava em torno de três eixos: confiança, cidadania e
prosperidade. Seis dias antes, o tucano havia reunido trinta jornalistas para
um jantar em Brasília, no Piantella, tradicional reduto de políticos. No
restaurante, fez questão de marcar posição em favor da ética. “Se tiver alguém
do PSDB que recebe propina e se isso ficar provado, tem que ir para a cadeia
também”, disse aos repórteres. Era uma referência ao Caso Alstom, o escândalo
de corrupção no metrô de São Paulo. Aécio estava na ofensiva. Havia escolhido
justamente aquela semana para colocar sua candidatura na mídia.
Entre o jantar de quarta-feira com os jornalistas e o discurso
na Câmara na terça subsequente, havia uma pedra no meio do caminho. Atendia
pelo nome de José Serra. Coincidência ou não, o eterno presidenciável tucano
publicou no domingo, dia 15, um artigo na página três da Folha de S.Paulo. O título:
“Drogas pesadas no Brasil, inépcia e ideologia.” A primeira frase dizia: “O
debate sobre o consumo de cocaína no Brasil pode e deve ser uma pauta em 2014.”
É difícil
encontrar no PSDB quem queira falar do assunto. Também é difícil encontrar no
partido quem não tenha interpretado o texto como um golpe – e baixo, segundo
muitos – contra Aécio. Após contatos por e-mail e telefonemas, Serra alegou,
por intermédio de um assessor, falta de tempo e agenda lotada, preferindo não
se pronunciar sobre a candidatura do correligionário.
As insinuações de que Aécio já usou cocaína o acompanham há
tempos. A internet costuma ser a arena em que isso mais aparece. Com a
disputa eleitoral, o assunto recrudesceu na rede. No dia 25 de maio a Folha de S.Paulo revelou que
foram enviadas de um computador da Prefeitura de Guarulhos, controlada pelo PT,
postagens para o perfil “Aécio Boladasso”, um dos vários no Facebook que se
passam por Aécio e fazem a apologia do uso de entorpecentes ou tratam do assunto
com deboche. O PSDB levou o caso ao Tribunal Superior Eleitoral. No final de
maio, o tucano estava de passagem por Porto Alegre, para apoiar o lançamento da
candidatura da senadora Ana Amélia, do PP, ao governo do estado. A repórter
Letícia Duarte, do jornal Zero Hora, foi
direto ao ponto: “Seus adversários têm difundido uma série de informações
acusando o senhor de ser usuário de cocaína. Queria saber como o senhor
responde a isso e qual a política de drogas do seu governo.”
Aécio
pareceu surpreso. A resposta veio longa: “Você sabe que existe hoje um submundo
da política, nas redes. Anonimamente, fazem qualquer tipo de acusação sobre os
adversários, esperando que alguém, talvez desavisadamente, com um pouco mais de
credibilidade, possa trazer esse tema ao jornalismo sério. O que nós assistimos
hoje é uma guerrilha da internet.” A seguir passou a falar de si: “Eu tenho uma
história de vida, talvez você não conheça, da qual me orgulho muito,
absolutamente digna e honrada, e talvez tenha sido isso que tenha me trazido
até aqui.”
Defendeu o
aumento das penas para traficantes de drogas e na sequência recorreu a uma
imagem futebolística para se defender: “Quanto a acusações como essas, e outras
que vão surgir, eu fico me lembrando de juiz de futebol. Todo mundo conhece
futebol, né? No futebol o juiz tem duas mães: uma que vai para o campo, quando
ele erra o impedimento, ou quando marca um pênalti que não foi. E tem aquela
que fica em casa, preparando a macarronada, vendo o final do jogo, passando o
uniforme dele para o jogo seguinte. Essa é a mãe real... Aquele... Esse Aécio
acusado... Eu me especializei... Como é teu nome?”
“Letícia”,
disse a jornalista.
“Letícia...
um nome que me inspira muito”, comentou Aécio, numa alusão a sua mulher. “Eu,
ao longo dos últimos quinze anos, me especializei numa coisa, talvez você não
saiba... Em derrotar o PT.”
Aos 33 anos, Letícia Duarte venceu o Prêmio Esso de Reportagem
em 2012. Naquele dia, antes de fazer a pergunta ao candidato, debateu com
colegas da redação se seria relevante ou não tocar no tema. “Achamos que era.
Não por uma questão moral. Tem todo um burburinho circulando de que ele seria
usuário de cocaína e isso passou a ser relevante a partir do momento em que ele
assumiu uma postura pública [sobre drogas]”, me disse. Depois do episódio, a
jornalista recebeu uma avalanche de comentários agressivos em seu Twitter, a
maioria de blogs anônimos. “Eles se referiam a mim como ‘fulaninha’ e diziam
coisas do tipo: ‘Você acha que porque é jornalista pode perguntar qualquer coisa:
então vou perguntar se você dá a bunda, se você dá o cu.’” E encerrou: “Parecia
ação orquestrada para me desmoralizar.”
“Hein?
Essa é a pergunta que você está doida para fazer, né?”, reagiu Aécio quando lhe
perguntei no início de maio se já havia consumido drogas. “Quando eu tinha 18
anos, sim, experimentei. E ponto final.” Voltei ao assunto dias depois.
Por e-mail, pedi que fosse mais explícito sobre o tipo de drogas que
experimentou na juventude. Aécio não quis falar por telefone e mandou a resposta
também por e-mail: “Eu tenho uma posição clara contra o uso de qualquer tipo de
droga. Quando o presidente Obama, e outros políticos no mundo,
reconheceram com sinceridade que haviam experimentado maconha na juventude,
deram uma contribuição relevante para que debates importantes para a sociedade
pudessem acontecer. Quando jovem, experimentei maconha e não recomendo que
ninguém faça o mesmo. Como parlamentar, eu tenho posição claramente contrária à
proposta de descriminalização do uso da maconha.”
Ao longo
da reportagem, assessores, políticos e pessoas próximas de Aécio queriam saber
com insistência se a revista também perguntaria ao candidato Eduardo Campos, do
PSB, se ele já usou cocaína.
O assunto
permeia a campanha de tal forma que empresários, em rodas reservadas, se
questionam sobre o impacto da vida privada de Aécio na eleição. Um tucano que
defende a candidatura do mineiro, mas que com ele nunca teve intimidade, o
interpelou sem rodeios no início do ano e quis saber sobre o suposto consumo de
drogas. A sondagem serviria para avaliar se ele se somaria aos colaboradores da
campanha. Aécio não reagiu com indignação e também foi direto: “Fui jovem,
gosto de mulher, mas nunca fiz nada incompatível com minhas funções públicas”,
disse Aécio, segundo descreveu a fonte, que pediu que sua identidade fosse
preservada.
Na lista
de constrangimentos de Aécio consta o episódio de 2011, quando foi pego numa
blitz da Lei Seca no Leblon, nas imediações de seu apartamento. Estava com a
carteira vencida e não soprou o bafômetro. Em nota, o governo do Rio disse que
Aécio preferiu não fazer o teste. A assessoria do senador afirmou que ele
providenciou imediatamente um motorista para conduzir o carro e julgou “não ser
necessário se submeter ao bafômetro”. Aécio pagou a multa por infração
gravíssima – por se recusar a fazer o teste –, de 957,70 reais, e de 191,54
reais pela habilitação vencida. Disse que teria soprado o aparelhinho se sua
habilitação não estivesse vencida.
O
publicitário Paulo Vasconcelos lembrou que o tema drogas já havia surgido na
disputa pelo governo de Minas em 2002. “O Newton Cardoso botou um comercial no
ar insinuando que um dos candidatos cheirava cocaína. E o comercial, com toda
sutileza, sinalizava que era o Aécio. O Aécio ganhou no primeiro turno”, disse
Vasconcelos, que conduziu todas as campanhas vitoriosas do tucano.
Anos
depois, em 2008, no jogo Brasil e Argentina, no Mineirão, Aécio foi
surpreendido por um canto inusitado da torcida: “Ô Maradona/Vai se
foder/ O Aécio cheira mais do que você.” Jornalistas esportivos que
presenciaram a cena relembram que Aécio atribuiu o fato à torcida atleticana,
rival do seu Cruzeiro. Mais uma vez, ignorou o episódio.
“É claro
que tem uma turma que acha ótimo dizer que ele mexe com drogas, trafica, que
leva diamante para fora do país, que ele bate em mulher”, disse Vasconcelos.
“Mas todos em Minas sabem quem é Aécio Neves”, logo acrescentou. “Porém, quando
você vai para um mundo onde ele é desconhecido, isso se torna um problema.
Claro que é um problema. Claro que é desconfortável. A pergunta é: como é que
você responde a isso?”
Aos 54
anos, Vasconcelos vai dirigir uma campanha presidencial pela primeira vez,
apesar da vasta experiência com marketing político. Além dele – e de Andrea
Neves – estão na equipe outros publicitários de peso: PC Bernardes (ex-África,
de Nizan Guanaes), Guillermo Raffo (argentino que trabalhou com João Santana e
Duda Mendonça) e Pablo Nobel (o argentino que integrava a equipe da campanha de
Lula em 2002).
Afável,
brincalhão e falante, Vasconcelos me recebeu numa produtora em São Paulo, no
final de uma manhã de abril. Atrasou-se porque estava conversando com o
ex-governador Alberto Goldman, que Aécio designou como coordenador de sua
campanha em São Paulo.
Afinado com José Serra, Alberto Goldman é o vice-presidente
nacional do PSDB. Vai trabalhar por Aécio ao lado do vereador Andrea Matarazzo,
também um ferrenho serrista, escolhido para articular a candidatura
presidencial tucana na capital. A indicação de ambos foi uma sugestão de FHC,
de Alckmin e do senador Aloysio Nunes Ferreira, nome mais cotado para ocupar a
vaga de vice na chapa. Detectou-se que era preciso conter na origem a sabotagem
interna. “Se a maioria do PSDB bentendeu que ele deve ser o candidato, é porque
ele é o melhor candidato. A minha opinião sobre isso não tem a mínima
importância”, disse Goldman.
O
ex-governador de São Paulo conviveu com Aécio no Parlamento. Não o apoiou na
disputa pela presidência da Câmara em 2001, nunca se frequentaram. Hoje Goldman
reconhece que Aécio adquiriu maturidade política, sobretudo após a vivência
como governador: “Ele está se preparando bem, com ideias novas. Tem visão
bastante realista das dificuldades.” Perguntei se a vida privada do mineiro
poderia lhe trazer danos eleitorais. “Não tem nenhuma importância se ele vai
para festa, não vai para festa, se é alegre, se é triste, se é ranzinza.
Ninguém vai casar com ele, né? Ninguém vai deitar na cama com ele, né? Em
princípio, pelo menos... A maioria pelo menos não”, respondeu, finalizando com
uma longa gargalhada.
Ao ser
questionado sobre as motivações da escolha de dois serristas para coordenar sua
campanha no estado, Aécio gracejou: “Não tem que ser unidade? Então, foi isso.”
Aliados do senador explicaram o que de fato vai ocorrer. O mineiro, que além do
talento para a conciliação tem a desconfiança em seu DNA, planeja uma espécie
de “campanha paralela” em São Paulo. Sabe que não pode ficar de braços cruzados
esperando a boa vontade de Alckmin e de Serra. O foco do primeiro é a sua
reeleição em São Paulo; para isso, está disposto até a abrir o palanque a
Eduardo Campos se o PSB o apoiar no estado. “O Geraldo Alckmin é uma pessoa que
joga na retranca. Mas ele joga. E é leal ao partido”, definiu FHC, apostando
que, desta vez, “vamos conseguir unificar São Paulo”.
O
congresso de municípios paulistas em Campos de Jordão no dia 22 de março foi
uma das poucas agendas que Aécio e Alckmin compartilharam no primeiro semestre.
Caminharam lado a lado pelas ruas da cidade, até que Aécio foi abordado pela
equipe do programa CQC e Alckmin seguiu incólume, de mãos dadas com Lu Alckmin.
Perderam-se um do outro. Aécio entrou no local do evento inquieto, cercado por
repórteres. “Cadê o Geraldo, cadê o Geraldo?” Só o encontrou minutos depois,
quando Alckmin já estava no palco. O escândalo da refinaria de Pasadena
estava fresco e o momento era excelente para o mineiro ganhar popularidade ao
defender a Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras. “Nós vamos ganhar a
eleição”, ele me disse, sussurrando, enquanto caminhava espremido no meio de um
bando de fotógrafos.
Alckmin
fez um discurso grandiloquente, citando Santo Agostinho e Alexandre, o Grande.
A menção a Aécio se deu quando falava do rei da Macedônia. Antes de partir para
a Ásia, disse, Alexandre distribuiu todos os bens e foi indagado sobre o que
reservaria a si próprio; retrucou que seria a esperança. “Você é nossa
esperança, Aécio.” O mineiro chamou o governador de “parceiro e amigo. Hoje e
no futuro”. O evento se estendeu por horas. A partir de certo momento, Aécio
passou a olhar com impaciência para o relógio. Saiu de lá às pressas,
justificando que viajaria para a Bahia, onde participaria, à noite, do
aniversário de 15 anos da filha do peemedebista Geddel Vieira Lima, ex-ministro
de Lula. “Vou lá dar um espírito mineiro aos baianos.” Semanas depois, Geddel
anunciou que seria candidato ao Senado na chapa tucana.
Encontrei Aécio para esta reportagem pela primeira vez na véspera
do lançamento da candidatura de Pimenta da Veiga ao governo mineiro. Ele me
recebeu em seu apartamento funcional em Brasília, num café da manhã às 8h30.
Apareceu na sala sorridente, vestindo terno e gravata. Disse que havia
despertado às 6 horas, correra por 45 minutos e lera os jornais. Entre goles de
suco de melancia com maracujá e mordidas no pão de queijo, falou de sua
candidatura com muito otimismo, o mesmo que manifestou meses depois ao cochichar
– “nós vamos ganhar essa eleição” – no evento de Campos do Jordão. Já naquela
manhã de fevereiro, porém, Aécio fez a ressalva: “Se perder, tudo bem.” Disse
não precisar da política “para viver e ser feliz”.
Na última
conversa pessoal que tive com o senador, o mesmo paradoxo entre otimismo pela
candidatura e desapego pela política voltou a se manifestar. Estávamos num
jatinho, no trajeto entre Brasília e Ribeirão Preto. “Se eu vencer as eleições
vai ser muito bom para o Brasil. Vou tentar fazer o melhor governo da história.
Mas se eu não ganhar as eleições, e pode ser que isso aconteça, vai ser muito
bom para mim do ponto de vista pessoal.”
Aécio referiu-se à política como algo “muito chato”, “uma
convivência muito desgastante”, “um saco”. E emendou falando sem freios dos
prazeres da vida: “Quando posso, pego uma prancha... Outro dia mesmo peguei
umas ondinhas ali na Macumba [praia na Barra da Tijuca] com um amigo meu.” No
arremate, porém, a gangorra do discurso pendeu novamente para a missão pública:
“Agora, claro que eu estou determinado a construir esse projeto para o Brasil.
E cada vez mais eu acho que, outros quatro anos desse pessoal do PT, nós todos
vamos sofrer muito.”
No trajeto
o tucano cochilou por quinze minutos, sem nenhum constrangimento, esticando as
pernas. Acordou e pediu um energético a um assessor. Mostrou-me as botinas
marrons novas que tinha comprado na véspera da visita ao Agrishow, a feira de
agropecuária da cidade. “O pessoal de São Paulo é chique”, zombou. Eu já havia
percebido seu cuidado maior com o visual. Passou a cortar os cabelos com mais
frequência e a usar ternos impecáveis. “Faço alguns no Ricardo Almeida e outros
lá em Belo Horizonte, no Geraldino, um senhorzinho daqueles tradicionais”,
contou.
Depois de
ter reclamado do sanduíche frio de filé, Aécio mascava um chiclete. Já
estávamos em procedimento de descida em Ribeirão Preto, e ele, passando as mãos
pelos cabelos, observava pela janela a paisagem do estado cujo eleitorado mais
cobiça, sem nenhuma certeza do apoio real que terá do seu partido: “Vamos fazer
nossa caminhada. Ganhamos? Que bom para o Brasil. Perdemos? Vamos para Harvard,
né?”
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