VALOR ECONÔMICO – CADERNO EU & FIM DE SEMANA - 8 DE ABRIL DE 2016
Entrevista: Marta Arretche, cientista política da USP e diretora do Centro de Estudos da Metrópole - Por Ricardo Mendonça
Para
a cientista política Marta Arretche, professora da USP e diretora do Centro de
Estudos da Metrópole, a eventual troca de Dilma Rousseff por Michel Temer na
Presidência poderá gerar "enorme trauma institucional" para, no fim,
produzir nada muito diferente do que ocorre hoje. "Um giro de 360
graus", define. Segundo ela, a fragilidade do processo de impeachment
implicará um próximo governo que já nasceria fragilizado, com forte oposição do
PT.
A
agenda a ser enfrentada requer aprovação de políticas de imposição de perdas
para grupos organizados, como aposentados, diz. Seria uma situação diversa da
de 1992, quando Itamar Franco assumiu pós-queda de Fernando Collor e
implementou o Plano Real, uma agenda de expansão de bem-estar, analisa.
Valor:
Milhões foram às ruas dizer que não querem mais a presidente Dilma Roussef ,
que ela não os representam. Outros dizem que nenhum partido os representam.
Nesse cenário, quem representa o vice-presidente Michel Temer?
Marta
Arretche: Penso que um eventual governo Temer tem grande chance de representar
uma guinada de 360 graus em relação à situação atual. Muitos assumem o
diagnóstico de que só Dilma e agora também Lula são a causa da crise, do
que decorreria que sua saída seria suficiente para resolver o componente
político da crise econômica. Analistas de boa-fé estão tão cansados de quase
três anos de intenso conflito político, que estão predispostos a acreditar que
qualquer solução friso, qualquer solução nos levaria a uma situação melhor.
Creio que esse diagnóstico é falso.
Valor:
Por quê?
Marta:
A agenda que temos de enfrentar requer a aprovação de políticas de imposição de
perdas contra categorias concentradas de beneficiários com capacidade de
mobilização. A estratégia de todos os partidos em 2015 foi recusar medidas
assim. Os incentivos para adotar essa estratégia são ainda mais fortes quando
há grande incerteza quanto ao futuro do sistema partidário. A Lava Jato
colabora para essa incerteza. Nenhuma democracia encontrou uma maneira de tomar
decisões complexas sem organizações partidárias. Nosso problema é como manter o
combate à corrupção sistêmica cuja modelagem antecede em décadas os governos
petistas sem destruir os partidos. Acho que é um ato de fé acreditar que a
troca de Dilma por Temer produzirá soluções para esses desafios.
Valor:
A direção do PMDB anunciou inusitada greve de 30 dias em que não aceitariam
mais cargos. Horas depois, Mauro Lopes (PMDBMG) virou ministro. Na sequência,
fizeram a reunião de três minutos que decidiu por rompimento e devolução de
cargos. Mas, dos seis ministros, só um saiu imediatamente. Que conclusão é
possível tirar?
Marta:
Que o PMDB continua o mesmo. Só se surpreendeu com isso quem começou a
acompanhar a política brasileira na semana passada. A pergunta é: é este o
partido que dará sustentação a uma política de ajuste fiscal que requer cortes
além dos que já foram feitos?
Valor:
Alguns acusam o movimento pelo impeachment de golpista. Qual é a sua avaliação?
Marta:
Não se trata de golpe por três razões. O impeachment está previsto na
Constituição. Já tivemos iniciativas de impedimento no passado com resultados
diferentes. E, principalmente, o rito está seguindo procedimentos previstos em
lei. Ainda que contrariado, Eduardo Cunha está sendo obrigado a seguir o rito
estabelecido pelo STF. Um golpe teria que supor alguma forma de rompimento com
o devido processo legal.
Valor:
E em relação as razões alegadas para o impeachment?
Marta:
São muito frágeis. A acusação faz deliberada confusão entre gestão orçamentária
e gestão fiscal, confundindo suplementação orçamentária com produção de déficit
fiscal. A acusação dos juristas que foram abrigados por Cunha diz respeito a
discordâncias em relação à política econômica, segundo a qual a gestão
orçamentária de Dilma em 2015 teria gerado mais pobreza. Essa lógica de
produção da acusação não convence pessoas bem informadas. Além disso, Temer
também assinou decretos de suplementação orçamentária no exercício do cargo. O
que está em curso é um processo conduzido por um presidente da Câmara já
denunciado por graves acusações de corrupção, que, caso aprovado, colocaria na
Presidência um vice que adotou as mesmas práticas que levariam à deposição de
Dilma. A pressa que Cunha está imprimindo sugere que ele avalia que estará em
situação melhor num contexto sem Dilma. Dado que sua principal agenda é salvar
a si, a pergunta é: quais são as garantias com que ele está contando?
Valor:
Qual pode ser a consequência de um impeachment conduzido assim?
Marta:
O governo Temer já nasceria politicamente fragilizado, sem apoio de importantes
segmentos da opinião pública e mesmo da elite do Judiciário. E enfrentando a
mobilização do PT na oposição. Nesse contexto, é razoável esperar que Temer
tenha fortes incentivos para praticar o mesmo populismo fiscal que motiva os
detratores de Dilma. Teríamos um enorme trauma institucional para dar um giro
de 360 graus.
Valor:
Há analogias entre Itamar Franco em 1992 e Temer hoje?
Marta:
Ambos os vices são articuladores ativos do impeachment. Até onde a vista
alcança, as analogias se esgotem aí.
Valor:
E as diferenças?
Marta:
A maior é na agenda. A principal política do governo Itamar, o Real, produziu
expansão de bem-estar, o fim da inflação. Coincidiu com a entrada em vigor da
vinculação do piso das aposentadorias ao salário mínimo, bem como o início da
implantação do SUS. A agenda agora é de imposição de perdas a categorias com
capacidade de mobilização. Costuma-se atribuir o fracasso do ajuste de Joaquim
Levy [ex-Fazenda] à liderança de Cunha. Há exagero. Reduzir aposentadoria ou
mexer no SUS são políticas impopulares, com potencial de penalização eleitoral.
Parlamentares evitam deixar digitais nisso. Não é razoável esperar que um
governo Temer, que já tende a ter DNA fragilizado, consiga coalizões
majoritárias de apoio a medidas de imposição de perdas.
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