Valor Econômico - 11/12/2015 - Caderno Eu & Fim de Semana - Página 12
O que está a favor de Dilma - Por Alberto Carlos Almeida
A afirmação de que Dilma não é Collor pode ser tomada literalmente, mas também pode ser considerada uma
metáfora que se refere ao contexto do pedido de impeachment. Neste caso, teríamos que afirmar: o contexto que
antecedeu o impeachment de Collor foi inteiramente diferente daquele que, no momento, circunda o pedido de
impeachment de Dilma. Aliás, falar de impeachment no Brasil é o mesmo que falar de Collor. A mídia já vem se
esforçando por mostrar as semelhanças e diferenças da situação econômica de hoje e a de 1992. Além disso,
algumas diferenças de circunstâncias políticas vêm sendo igualmente apontadas.
A primeira diferença importante que condiciona muito do que aconteceu com Collor e do que ocorrerá a Dilma tem
a ver com seus respectivos partidos políticos. Collor fundou um partido para chamar de seu, o PRN, com o intuito
de disputar a eleição presidencial. O nome foi elaborado em função de pesquisas de opinião que refletiam o desejo
oposicionista da população: era preciso reconstruir o Brasil. Em 1992, o PRN de Collor tinha 38 deputados
federais e 2 senadores. O PT de Dilma tem hoje 60 deputados e 13 senadores. Mais do que isso, o PT tem vários
deputados licenciados ocupando cargos executivos. Caso eles queiram voltar para a Câmara, o PT ficará com 65
deputados federais. Para que o impeachment seja barrado são necessários apenas 172 deputados, isto é, 107 a
mais do que a bancada do PT. Collor precisava de 130 votos de deputados que não fossem de seu PRN (na época,
eram 503 os deputados federais).
Já que é para fazer contas, vamos somar os votos que hoje Dilma teria
a seu favor no núcleo mais central de apoio ao governo: 5 da Rede,5
do PSOL, 12 do PC do B, 18 do PDT, 9 do PROS e 20 do Partido da
Mulher Brasileira que jamais votaria a favor do impeachment de
uma presidenta. Somando-se tudo isso aos votos do PT, são 129
votos, e ficariam faltando apenas 43 deputados para impedir que o
impeachment fosse aprovado. Há que se admitir que não se trata de
uma tarefa difícil. Collor não tinha nada disso ao seu lado, como não
tinha no seu partido os governadores de Minas Gerais, Bahia e Ceará.
A distância que separa o PRN de Collor do PT de Dilma não se mede apenas em número de deputados e senadores
(quanto a isso, o PRN tinha somente 2 e o PT tem 13), mas principalmente em função de o PT ser uma estrutura
partidária real, com máquina política, ideologia, militantes e seguidores, ter conquistado a Presidência quatro
vezes em sequência e ter vida interna efetiva, ao passo que o PRN era somente um partido de conveniência, criado
para viabilizar uma candidatura. Portanto, os laços do PT e de seus quadros com o sistema político, redes de
lealdade, histórico de acordos, relações de troca, são densos e robustos. Os do PRN eram inexistentes.
Obviamente, essa densidade serve de proteção contra o impeachment.
Por falar em densidade política, na época de Collor o PMDB tinha 107 deputados federais e um ministro de
Estado, Bernardo Cabral, do Amazonas. O PMDB de hoje tem 66 deputados e sete ministérios. É impressionante
essa diferença. O maior partido de centro do Ocidente, o PMDB, foi ignorado e desprezado por Collor, algo que
certamente teria sido objeto de uma carta queixosa de Temer se ele fosse o vice de Collor. Atualmente, o PMDB
controla, como dito anteriormente, sete ministérios, sendo que um deles tem um dos maiores orçamentos da
Esplanada, o da Saúde. Vários cientistas políticos brasileiros, com destaque para Octávio Amorim, têm
demonstrado que a estabilidade de um governo depende da conexão entre a Esplanada dos Ministérios e a
Câmara dos Deputados. O ministério de Collor era pífio nesse quesito. O de Dilma é o oposto disso.
No início de seu governo, Collor se notabilizou por ter composto um ministério de notáveis, com nomes que
tinham pouca ou nenhuma conexão com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal: Zélia Cardoso de Melo,
Antônio Magri, Ozires Silva, Margarida Procópio, e nas secretarias de Estado figuras como o embaixador Marcos
Coimbra (Casa Civil), João Santana, José Goldemberg, José Lutzenberger. Lendo esses nomes e olhando de longe,
passados 25 anos, é fácil imaginar por que o governo Collor não foi capaz de deter o impeachment. Ministério de
notáveis é sinônimo de ministério com poucos políticos. Não há governo que resista a isso, em particular em meio
a um grave escândalo de corrupção, cuja mais importante testemunha foi o irmão do presidente, Pedro Collor.
A natureza da denúncia que serve de motivação para a aceitação do pedido de impeachment é crucial para o
sucesso do processo. Menos porque ela precise de uma sólida justificativa jurídica, e mais porque a denúncia tem
que ser mobilizadora, tem que fazer com que as pessoas se decidam por ir às ruas de forma contínua e crescente. É
possível que haja uma forte correlação entre denúncias sólidas, com forte base jurídica, e também com potencial
de grande mobilização. Note-se que o pedido de impeachment de Collor foi pouco questionado. A Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) o apoiou, assim como a grande maioria dos juristas renomados. É óbvio que sempre
há exceções. Essa fundamentação vem sendo questionada agora. O governo foi capaz de reunir o apoio de dezenas
de juristas em um ato no Palácio do Planalto, assim como o apoio da OAB. E consideram que o pedido de
impeachment tem base jurídica fraca. Não havia divisão em 1992, ou, se havia, era pequena: todos queriam ver
Collor fora da Presidência. Hoje há muita divisão. A capacidade de mobilização do governo é imensa.
Collor foi denunciado por atos de corrupção no exercício da Presidência. Dilma está sendo denunciada por conta
das, assim chamadas, pedaladas fiscais. A denúncia contra Collor tinha o calor das relações de parentesco e a
força simbólica da pobreza: o motorista era uma pessoa pobre e quando alguém com este perfil fala, tem toda a
credibilidade do mundo. Afinal, temos o ditado "sou pobre, mas sou honesto". O pobre, no Brasil, desfruta de
imensa riqueza simbólica, e isso foi fundamental para que o país se mobilizasse contra Collor.
Collor era um presidente de um partido pequeno, fraco, inexpressivo, com um ministério de notáveis. O PMDB
estava praticamente fora de seu governo, apesar de ter a maior bancada da Câmara e do Senado. Ele tinha em seu
colo uma denúncia de corrupção feita por um parente próximo e um motorista. Dilma faz parte de um partido
grande, denso, e que detém a Presidência já há 13 anos. Seu ministério é formado, em grande maioria, por
políticos, sejam deputados ou senadores. O PMDB, por meio de suas bancadas no Legislativo, escolheu vários
ministros entre os sete que tem. A denúncia que pesa sobre Dilma tem a ver com o excesso de gastos públicos e sua
maquiagem, e não foi feita por ninguém próximo a ela, é impessoal.
São dois quadros bem diferentes, assim como seus resultados. Aliás, aqui entra o principal ator do impeachment,
o eleitor. É preciso que a população vá às ruas e pressione, para que o presidente seja impedido. Sabe-se hoje, por
meio de pesquisas de opinião, que a grande maioria do eleitorado quer isso em relação a Dilma. Contudo, se for
perguntado a esse mesmo eleitorado se gostaria que o presidente fosse trocado e sua vida financeira melhorasse, o
resultado, percentualmente, seria idêntico ao da defesa do impeachment. O que a população quer é que o governo
a ajude a melhorar de vida.
Na verdade, as manifestações e os protestos não indicam a direção da preferência. Esta, todos sabemos qual é. O
que as manifestações revelam é a intensidade da preferência. Para que ocorra o impeachment, tal intensidade tem
que ser elevada elevadíssima, diria. Isso ficou muito claro em 1992.
As duas maiores manifestações pelo impeachment de Collor ocorreram em uma terça-feira, 25 de agosto, e em
uma sexta, 18 de setembro. A terceira e a quarta maiores manifestações foram em duas terças-feiras, 22 e 29 de
setembro. A população foi às ruas contra Collor nos dias 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28 29 e 30 de agosto. Em
setembro, ocorreram manifestações nos dias 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23,
24, 25, 26, 27, 28 e 29. Todas foram manifestações nacionais, ocorridas em diversos Estados e nas mais diferentes
capitais. A corrupção perpetrada diretamente pelo presidente foi um motivador crucial desse processo.
Em 2015, foram três grandes manifestações pelo impeachment de Dilma (alguns argumentarão que nem todas
defenderam o impeachment; pode ser), todas elas em domingos. Haverá uma quarta manifestação, também em
um domingo. Os organizadores já tentaram fazer atos nos dias de semana, e não tiveram sucesso. Pedaladas
fiscais não levam as pessoas às ruas.
Em função de tudo isso, a probabilidade de que Dilma sofra o impedimento permanece baixa. Pode aumentar. É
preciso que fatos novos ocorram, fatos que motivem protestos diários e crescentes. Sabemos, pela história recente
do país, que isso ocorre quando há uma impressão digital do presidente em um ato de corrupção. Não é este o
caso. Dilma assegura que não será.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de A Cabeça do Brasileiro e O
Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo
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